PÚBLICO / Economia, Carlos Cipriano, 29-10-2004, 10h14
Governo põe o pé no travão
Projecto do comboio de alta velocidade reduzido a metade
O Governo vai emagrecer o projecto da alta velocidade apresentado há um ano. Das cinco linhas prometidas só três deverão avançar e, ainda assim, com velocidades inferiores aos 300 Km/hora anunciados.
A posição oficial do Ministério das Obras Públicas e da Rave (que gere o dossier da alta velocidade em Portugal) é a de que o projecto é para avançar dentro dos prazos previstos e com o mesmo desenho com que foi apresentado por Durão Barroso e Carmona Rodrigues, mas nos bastidores - apurou o PÚBLICO junto de fonte ligada ao processo - trabalha-se já num enorme "down grade" que visa atirar para as calendas 580 dos 1162 quilómetros de linhas anunciadas.
O motivo é simples: não há dinheiro para um projecto de grande envergadura, cuja sustentação económica e social nunca foi verdadeiramente explicada. A primeira vítima da nova abordagem de António Mexia, ministro dos Transportes, é a própria linha de alta velocidade Lisboa-Porto que deveria ser construída em bitola europeia e com perfil para 300/350 Km/hora, mas que não vai passar de três variantes à actual linha do Norte.
O objectivo é rentabilizar o investimento que desde há uma década tem vindo a ser feito na linha convencional e que apenas modernizou cerca de 40 por cento do seu percurso.
A Rave já adjudicou os estudos para se avançar com a variante de Santarém (15 quilómetros), que passará a oeste da cidade, evitando assim a difícil intervenção que seria modernizar a linha do Norte junto ao estuário do Tejo onde a plataforma da via se encontra muito degradada.
Entre Soure e Pampilhosa, está prevista também uma variante à linha convencional com a extensão de 45 quilómetros e uma terceira variante ligará Aveiro a Gaia (55 quilómetros). Estas variantes poderão vir a ser os três primeiros troços da futura linha de alta velocidade Lisboa-Porto, mas para já a ideia é servirem como corredores de aceleração onde os TGV poderão dar um ar da sua graça, acelerando a 250 ou 300 à hora, para logo retornarem à linha convencional onde os patamares serão de 160 a 220 Km/hora.
Refer e Rave discutem, neste momento, se estas variantes serão feitas em bitola europeia ou ibérica. Se for a primeira, o serviço será feito por comboios de eixo variável que adaptam as suas rodas à distância entre carris quando passarem por um intercambiador - localizado na junção entre a linha clássica e a linha de alta velocidade. Se se optar pela bitola ibérica, a interoperabilidade entre as novas e as velhas linhas será total, com a vantagem de que facilmente a Refer poderá mais tarde intervencionar sem restrições a linha do Norte pois poderá desviar todo o tráfego para as variantes enquanto decorrerem as obras.
Em aberto, ficará a continuação do projecto com a construção de novos troços entre as variantes por forma a completar a verdadeira linha de alta velocidade, mas para já deverá ser feita uma política de pequenos passos que tenta privilegiar um retorno do investimento à medida que ele for feito.
Para salvaguardar o futuro, as novas linhas em bitola ibérica serão assentes em travessas polivalentes que permitirão - numa operação relativamente simples - o encurtamento da distância entre carris para passarem para a bitola europeia.
Para António Mexia, esta solução resolve também (provisoriamente) o grande imbróglio que tem sido a decisão sobre as estações do TGV em Lisboa e no Porto e os elevados custos que estas representam.
A gare do Oriente, junto ao Tejo, e a estação de Campanhã, junto ao Douro, continuarão, assim, a ser as estações terminus do principal corredor ferroviário português.
"Dois em um" no Lisboa-Badajoz
O recente anúncio de que o TGV sairia de Lisboa para sul através da ponte 25 de Abril e de que a prioridade é a de um túnel rodoviário sob o estuário do Tejo em vez de uma ponte ferroviária, tem também subjacente o abandono da alta velocidade "pura e dura" entre a capital e Badajoz.
Desde logo, porque a travessia pela actual ponte, com as dificuldades técnicas que tal implica (ver PÚBLICO de 22/10/2004), compromete uma ligação Lisboa-Madrid em menos de três horas, tal como foi anunciado na cimeira da Figueira da Foz, e também porque a necessária utilização de comboios bi-bitola nesta solução induzirá a que os mesmos sigam em bitola ibérica até à fronteira, onde passarão por um intercambiador que lhes dará passagem para a linha a 300 à hora de "nuestros hermanos".
A provável construção da linha Lisboa-Badajoz em bitola ibérica é também mais uma forma de poupar dinheiro e aproveitar uma outra infraestrutura que será a linha Sines-Badajoz, prevista para mercadorias, mas apta a velocidades de 200 Km/hora.
Ora, em vez de ter duas linhas paralelas (uma de "alta velocidade" e outra de "velocidade alta") entre Évora e a fronteira, porque não fazer o "dois em um" e usar uma só linha para tráfego misto? Os críticos desta solução alertam para o risco que significa ter Lisboa e Madrid a quatro horas de distância, um tempo de percurso incapaz de competir com a aviação e que poderá pôr em causa a própria viabilidade deste corredor. Mas, para o Governo, a tentação de poupar alguns milhões é suficientemente tentadora: a linha que era para custar 1600 milhões de euros poderá ficar-se pelos 650 milhões.
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