Zita Seabra
por FERNANDO MADAÍL 16 Junho 2007
Queria ser bailarina e acabou política.
'Foi Assim' é o título do livro em que Zita Seabra, ex-dirigente do PCP e actual parlamentar do PSD, irá contar a sua biografia. Até ao lançamento, a 5 de Julho, remeteu-se ao silêncio e nada se sabe acerca do teor da obra. O DN resolveu traçar-lhe o perfil. A sua vida terá sido assim?
Da coreografia elegante feita sobre a música de Villa-Lobos Bachianas Bra sileiras, na Academia de Bailado do Porto, então dirigida pelo basco Pirmin Treku, até à perigosa dança das falsas identidades, entre 1966 e 1974, virou-se uma página da vida que lhe moldou o futuro.
Aos 17 anos, Zita Maria de Seabra Roseiro, que andava em pontas desde os nove e tinha chegado a pisar o palco do Teatro S. João, abandonava o sonho de menina - ser bailarina. Abraçava, então, a utopia romântica de ser uma nova Mariana, a heroína desse romance proibido que uns amigos lhe tinham emprestado, Os Subterrâneos da Liberdade, em que Jorge Amado descreve, em três volumes, a história dos comunistas brasileiros.
Figura de proa do movimento comunista português nas últimas décadas - pela ortodoxia de que foi guardiã, pelo pioneirismo na crítica interna, por ter trocado o PCP pelo PSD -, Zita Seabra vai lançar um livro, no próximo dia 5 de Julho, a explicar Como Foi - o título da obra, de que apenas se sabe que tem 300 páginas e chancela da sua editora, a Alêtheia.
Mesmo que não tenha o recorte literário de Eça de Queirós ou de Bruce Chatwin, para citar dois dos escritores que aprecia, o livro pode revelar as suas conversas com Cunhal ou com Cavaco, mas dificilmente terá o mesmo impacto de O Nome das Coisas, que selou a sua cisão com o PCP. Nesse livro de 1988 avisava: "Ninguém busque, nestas páginas, escandalosas revelações sobre segredos partidários nem ataques ou vindictas pessoais." Agora, nada se sabe.
Mas quem é, afinal, esta mulher que, em Maio de 1988, quando foi entregar as chaves do Renault azul metalizado a que até então tinha direito, como membro da Comissão Política (em Novembro, seria expulsa do Comité Central e, em Janeiro de 1990, do partido), ouviu Cunhal dizer-lhe "nunca mais serás nada na vida"?
Quem é esta política que, contrariando o anátema do seu líder durante 23 anos, aceitou o cargo de coordenadora do Secretariado Nacional do Audiovisual (que se fundiu com o Instituto Português de Cinema, originando o Instituto Português de Artes Cinematográficas e Audiovisuais, de que seria a presidente), sendo fotografada a sorrir quando cumprimentava, em 1993, o (então) primeiro-ministro Cavaco Silva?
Quem é a deputada que se celebrizou na bancada comunista a defender, de forma entusiástica, a primeira lei de interrupção voluntária da gravidez e se pronunciou, embora de forma discreta, na bancada social-democrata, de que é vice-presidente, pelo "não" no último referendo?
Apreciadora de Mozart e de fado, a filha única do engenheiro Mário Ramos Carvalho Roseiro e da doméstica Zita Marques Moreira Seabra, que moravam em Sangalhos, foi nascer a Coimbra, a 25 de Maio de 1949, que era onde havia uma boa maternidade.
Aos dois anos, a família muda-se para Castelo Branco, mas quando a menina que pensou seguir Medicina entrou na primária passaram a viver no Porto. No Carolina Michaelis, a primeira tomada de posição daquela figura magra que seria eleita presidente da Comissão Pró-Associação dos Liceus do Porto foi manifestar-se contra a proibição de as alunas usarem calças. E, aos 15 anos, era aliciada para entrar no PCP.
Apenas com o 6.º ano (equivalente ao actual 10.º) concluído, entra na clandestinidade, com uma passagem de nove meses por Paris, em casa de Carlos Antunes (que iria fundar, em 1970, o PRP-BR), para despistar a polícia política. E, no entanto, Maria Helena Sá da Costa, como garantia o seu falso Bilhete de Identidade, ainda se alojou no Porto em casa de um ex-elemento da PIDE, de onde saiu ao receber um telegrama, enviado por um camarada, a dizer: "Tua mãe à morte."
Regressou de Coimbra, de onde tinha sido enviada a mensagem, vestida de negro e em lágrimas, como quem esteve num funeral, explicando que tinha de mudar de cidade, sem que o ex-pide percebesse que tinha alojado a controleira no Porto da Organização dos Estudantes do PCP - que iria originar a UEC (União dos Estudantes Comunistas).
Em casas sucessivas onde só se mantinha um poster com o poema de Cesário Verde "De Tarde" (o que começa com o verso "Naquele 'pic-nic' de burguesas"), tanto abria a porta na Páscoa a um padre que era irmão de Rosa Casaco (o pide que fotografava Salazar e chefiou a brigada que matou Humberto Delgado) na aldeia de Cete como se fazia passar por hospedeira da TAP em Lisboa.
Nesses anos de sombra, passou a odiar frango assado, que era o que lhe levavam quando tinha fome, e conheceu Carlos Brito, com quem esteve casada até 1986 e que é o pai das suas filhas Ana e Rita. Passaria a viver, depois, com o médico João Guimarães, com quem teve o filho Francisco.
O resto da história é mais conhecida. Ortodoxa comunista, como é recordada desde os tempos em que estava à frente da UEC, foi logo eleita para a Assembleia Constituinte e, depois, até 1987, seria deputada pelo PCP - regressaria ao Parlamento, em 2002, nas listas do PSD. Acerca das suas relações com o fraccionista Grupo dos Seis (Vital Moreira, Veiga de Oliveira, Silva Graça, Sousa Marques, Vítor Louro e Dulce Martins) e a Terceira Via (onde estavam figuras que ficaram, como Saramago, e outras que saíram, como Canotilho), as expulsões dos órgãos partidários - "caiu-me a alma aos pés", diria, anos mais tarde (DNA, 10/04/1999) - deve vir tudo explicado em Como Foi.
Nessa altura, sem nunca ter tido profissão fora do partido, foi convidada pelos fundadores da Quetzal, Maria da Piedade Ferreira e Rogério Petinga, a trabalhar com eles - no ano seguinte, ofereciam-lhe mesmo uma quota de 25% da sociedade. A leitora de Agatha Christie e Leão Tolstoi, Vergílio Ferreira e Maria Velho da Costa, quando a pequena editora foi comprada pela Bertrand, passou a ser directora comercial de ambas. E, em 2005, fundava a sua Alêtheia. Mas - foi repetindo em várias entrevistas - o seu grande sonho era mesmo ter sido bailarina.
Hemiciclo. Passou da esquerda, onde era uma famosa deputada do PCP, para a direita, onde é vice-presidente da bancada do PSD. "Não admito", diria ao Expresso (15/05/1993), "que uma pessoa (...) traga uma cruz às costas só por ter pertencido ao PCP".
Ortodoxa. "Dissidentes [na URSS]? Quais dissidentes? Fascistas como o Soljenitsin, que apoiam o Chile de Pinochet?" Numa entrevista ao DN (24/11/1979) era assim que via o mundo, estava ainda Brejnev no poder em Moscovo. Antigos camaradas do Comité Central, sob a capa do anonimato, confidenciavam ao Expresso (22/05/1993) que Zita tinha sido uma "estalinista de aparelho, fundamentalista, excessiva e primária" e que, ainda nos tempos da UEC, só promovia os "puros e duros como ela".
por FERNANDO MADAÍL 16 Junho 2007
Queria ser bailarina e acabou política.
'Foi Assim' é o título do livro em que Zita Seabra, ex-dirigente do PCP e actual parlamentar do PSD, irá contar a sua biografia. Até ao lançamento, a 5 de Julho, remeteu-se ao silêncio e nada se sabe acerca do teor da obra. O DN resolveu traçar-lhe o perfil. A sua vida terá sido assim?
Da coreografia elegante feita sobre a música de Villa-Lobos Bachianas Bra sileiras, na Academia de Bailado do Porto, então dirigida pelo basco Pirmin Treku, até à perigosa dança das falsas identidades, entre 1966 e 1974, virou-se uma página da vida que lhe moldou o futuro.
Aos 17 anos, Zita Maria de Seabra Roseiro, que andava em pontas desde os nove e tinha chegado a pisar o palco do Teatro S. João, abandonava o sonho de menina - ser bailarina. Abraçava, então, a utopia romântica de ser uma nova Mariana, a heroína desse romance proibido que uns amigos lhe tinham emprestado, Os Subterrâneos da Liberdade, em que Jorge Amado descreve, em três volumes, a história dos comunistas brasileiros.
Figura de proa do movimento comunista português nas últimas décadas - pela ortodoxia de que foi guardiã, pelo pioneirismo na crítica interna, por ter trocado o PCP pelo PSD -, Zita Seabra vai lançar um livro, no próximo dia 5 de Julho, a explicar Como Foi - o título da obra, de que apenas se sabe que tem 300 páginas e chancela da sua editora, a Alêtheia.
Mesmo que não tenha o recorte literário de Eça de Queirós ou de Bruce Chatwin, para citar dois dos escritores que aprecia, o livro pode revelar as suas conversas com Cunhal ou com Cavaco, mas dificilmente terá o mesmo impacto de O Nome das Coisas, que selou a sua cisão com o PCP. Nesse livro de 1988 avisava: "Ninguém busque, nestas páginas, escandalosas revelações sobre segredos partidários nem ataques ou vindictas pessoais." Agora, nada se sabe.
Mas quem é, afinal, esta mulher que, em Maio de 1988, quando foi entregar as chaves do Renault azul metalizado a que até então tinha direito, como membro da Comissão Política (em Novembro, seria expulsa do Comité Central e, em Janeiro de 1990, do partido), ouviu Cunhal dizer-lhe "nunca mais serás nada na vida"?
Quem é esta política que, contrariando o anátema do seu líder durante 23 anos, aceitou o cargo de coordenadora do Secretariado Nacional do Audiovisual (que se fundiu com o Instituto Português de Cinema, originando o Instituto Português de Artes Cinematográficas e Audiovisuais, de que seria a presidente), sendo fotografada a sorrir quando cumprimentava, em 1993, o (então) primeiro-ministro Cavaco Silva?
Quem é a deputada que se celebrizou na bancada comunista a defender, de forma entusiástica, a primeira lei de interrupção voluntária da gravidez e se pronunciou, embora de forma discreta, na bancada social-democrata, de que é vice-presidente, pelo "não" no último referendo?
Apreciadora de Mozart e de fado, a filha única do engenheiro Mário Ramos Carvalho Roseiro e da doméstica Zita Marques Moreira Seabra, que moravam em Sangalhos, foi nascer a Coimbra, a 25 de Maio de 1949, que era onde havia uma boa maternidade.
Aos dois anos, a família muda-se para Castelo Branco, mas quando a menina que pensou seguir Medicina entrou na primária passaram a viver no Porto. No Carolina Michaelis, a primeira tomada de posição daquela figura magra que seria eleita presidente da Comissão Pró-Associação dos Liceus do Porto foi manifestar-se contra a proibição de as alunas usarem calças. E, aos 15 anos, era aliciada para entrar no PCP.
Apenas com o 6.º ano (equivalente ao actual 10.º) concluído, entra na clandestinidade, com uma passagem de nove meses por Paris, em casa de Carlos Antunes (que iria fundar, em 1970, o PRP-BR), para despistar a polícia política. E, no entanto, Maria Helena Sá da Costa, como garantia o seu falso Bilhete de Identidade, ainda se alojou no Porto em casa de um ex-elemento da PIDE, de onde saiu ao receber um telegrama, enviado por um camarada, a dizer: "Tua mãe à morte."
Regressou de Coimbra, de onde tinha sido enviada a mensagem, vestida de negro e em lágrimas, como quem esteve num funeral, explicando que tinha de mudar de cidade, sem que o ex-pide percebesse que tinha alojado a controleira no Porto da Organização dos Estudantes do PCP - que iria originar a UEC (União dos Estudantes Comunistas).
Em casas sucessivas onde só se mantinha um poster com o poema de Cesário Verde "De Tarde" (o que começa com o verso "Naquele 'pic-nic' de burguesas"), tanto abria a porta na Páscoa a um padre que era irmão de Rosa Casaco (o pide que fotografava Salazar e chefiou a brigada que matou Humberto Delgado) na aldeia de Cete como se fazia passar por hospedeira da TAP em Lisboa.
Nesses anos de sombra, passou a odiar frango assado, que era o que lhe levavam quando tinha fome, e conheceu Carlos Brito, com quem esteve casada até 1986 e que é o pai das suas filhas Ana e Rita. Passaria a viver, depois, com o médico João Guimarães, com quem teve o filho Francisco.
O resto da história é mais conhecida. Ortodoxa comunista, como é recordada desde os tempos em que estava à frente da UEC, foi logo eleita para a Assembleia Constituinte e, depois, até 1987, seria deputada pelo PCP - regressaria ao Parlamento, em 2002, nas listas do PSD. Acerca das suas relações com o fraccionista Grupo dos Seis (Vital Moreira, Veiga de Oliveira, Silva Graça, Sousa Marques, Vítor Louro e Dulce Martins) e a Terceira Via (onde estavam figuras que ficaram, como Saramago, e outras que saíram, como Canotilho), as expulsões dos órgãos partidários - "caiu-me a alma aos pés", diria, anos mais tarde (DNA, 10/04/1999) - deve vir tudo explicado em Como Foi.
Nessa altura, sem nunca ter tido profissão fora do partido, foi convidada pelos fundadores da Quetzal, Maria da Piedade Ferreira e Rogério Petinga, a trabalhar com eles - no ano seguinte, ofereciam-lhe mesmo uma quota de 25% da sociedade. A leitora de Agatha Christie e Leão Tolstoi, Vergílio Ferreira e Maria Velho da Costa, quando a pequena editora foi comprada pela Bertrand, passou a ser directora comercial de ambas. E, em 2005, fundava a sua Alêtheia. Mas - foi repetindo em várias entrevistas - o seu grande sonho era mesmo ter sido bailarina.
Hemiciclo. Passou da esquerda, onde era uma famosa deputada do PCP, para a direita, onde é vice-presidente da bancada do PSD. "Não admito", diria ao Expresso (15/05/1993), "que uma pessoa (...) traga uma cruz às costas só por ter pertencido ao PCP".
Ortodoxa. "Dissidentes [na URSS]? Quais dissidentes? Fascistas como o Soljenitsin, que apoiam o Chile de Pinochet?" Numa entrevista ao DN (24/11/1979) era assim que via o mundo, estava ainda Brejnev no poder em Moscovo. Antigos camaradas do Comité Central, sob a capa do anonimato, confidenciavam ao Expresso (22/05/1993) que Zita tinha sido uma "estalinista de aparelho, fundamentalista, excessiva e primária" e que, ainda nos tempos da UEC, só promovia os "puros e duros como ela".