A Batalha do Buçaco, numa gravura desenhada pelo major St.Clair
A batalha de Buçaco teve uma importância capital para o resultado da campanha pela acção moral que exerceu nos dois exércitos contrários.
O exército anglo-luso perdeu o medo às águias napoleónicas, que ameaçavam dilacerar a Península.
Os ingleses reconheceram que os soldados portugueses eram dignos émulos no valor e brio militar, com os quais podiam e deviam contar. O moral do exército dos aliados foi exaltado.
Os franceses reconheceram que não eram invencíveis ao medirem-se com as tropas inimigas, que até então tinham em pouca conta.
As desinteligências que lavravam entre os generais franceses mais se acentuaram, e a incapacidade de Massena, já apontada por Ney antes da batalha do Buçaco, tornou-se frisante. Massena sentiu-se golpeado no seu amor próprio: a Vitória abandonava o seu filho querido.
E, quando este julgava fazer calar os descontentes e insofridos por um estrondoso triunfo, viu que, ao contrário, a sua derrota mais ia insuflar a indisciplina dos generais seus subordinados. Não estava de todo perdido o exército, podia haver ainda probabilidades de uma vitória; mas era preciso proceder com ponderação.
No Buçaco vira ele quanto Wellington se soubera aproveitar das propriedades defensivas do terreno.
Atacar novamente em terreno análogo seria uma temeridade, porque uma nova derrota poderia trazer consigo uma capitulação, mancha vergonhosa que viria empalidecer e murchar os verdejantes louros do herói de Rivoli, de Zurique, de Génova, de Caldiero e de Essling.
Era necessário ser-se prudente, ponderado.
A derrota do Buçaco cortou as asas a Massena e impediu que voasse até aos cerros de Alhandra, do Sobral de Monte Agraço, de Torres.
Se não fora a derrota do Buçaco, Massena teria sido mais ousado em frente das Linhas de Torres, e quem sabe, se não teria saído vitorioso.
A vitória do Buçaco teve, portanto, consequências imediatas e materiais, e mais ainda, consequências morais e futuras.
Apreciando agora a batalha em si, vamos fazer algumas considerações relativamente aos dois partidos.
Os reconhecimentos mandados executar por Massena foram muito incompletos. Os oficiais que os realizaram não souberam desempenhar-se da sua missão.
Daí resultou o erro de Massena. Julgando o flanco esquerdo do exército anglo-luso em Sula, e ignorando que se prolongava até ao ninho de Águia, adoptara os dispositivos para envolver a posição de Sula, o que não sucedeu.
Cena alegórica alusiva às invasões francesas
O ponto escolhido para o ataque, do 2.º Corpo - a portela de Santo António do Cântaro - era judicioso e de uma grande importância, pois a posse daquela parte da serra separaria as forças anglo-lusas. Uma parte do exército seria lançado sobre o Mondego e retiraria nas mais precárias circunstâncias, a outra parte seria cortada da estrada do Botão a Coimbra, sendo obrigada a efectuar uma retirada excêntrica, e permitindo aos franceses chegarem primeiro àquela cidade que o exército anglo-luso.
Destas considerações resulta que o ataque a Santo António do Cântaro deveria ter sido o principal, porque era o decisivo, e para isso Massena deveria ter empregado o 6." corpo e não o 2.°, visto que aquele tinha três divisões e este duas.
O ataque a Sula seria secundário. Mas estes dois ataques deveriam ter sido simultâneos para deixar o inimigo na indecisão. Não sucedeu, porém, assim.
Ney atacou 1h 30 m depois de Reynier, e quando este já tinha sido derrotado.
Esta falta de coordenação de esforços resultou da falta de ligação entre os dois corpos de exército.
É certo que Massena ordenara que esses ataques fossem simultâneos; mas não bastava ordenar, seria necessário tomar as disposições necessárias para garantir a execução dessa ordem.
Reynier cometeu também a falta de só empregar uma divisão na 1.ª linha, deixando uma outra como reserva; e quando esta foi chamada a intervir, apenas uma brigada avançou.
No 6.° corpo a divisão, que servia de reserva geral não chegou a enviar força alguma a apoiar as outras duas. As reservas parciais das duas divisões avançadas também. não foram judiciosamente empregadas.
Houve, pois, da parte dos franceses: má preparação, boa concepção e má execução.
Os ingleses reconheceram que os soldados portugueses eram dignos émulos no valor e brio militar, com os quais podiam e deviam contar. O moral do exército dos aliados foi exaltado.
Os franceses reconheceram que não eram invencíveis ao medirem-se com as tropas inimigas, que até então tinham em pouca conta.
As desinteligências que lavravam entre os generais franceses mais se acentuaram, e a incapacidade de Massena, já apontada por Ney antes da batalha do Buçaco, tornou-se frisante. Massena sentiu-se golpeado no seu amor próprio: a Vitória abandonava o seu filho querido.
E, quando este julgava fazer calar os descontentes e insofridos por um estrondoso triunfo, viu que, ao contrário, a sua derrota mais ia insuflar a indisciplina dos generais seus subordinados. Não estava de todo perdido o exército, podia haver ainda probabilidades de uma vitória; mas era preciso proceder com ponderação.
No Buçaco vira ele quanto Wellington se soubera aproveitar das propriedades defensivas do terreno.
Atacar novamente em terreno análogo seria uma temeridade, porque uma nova derrota poderia trazer consigo uma capitulação, mancha vergonhosa que viria empalidecer e murchar os verdejantes louros do herói de Rivoli, de Zurique, de Génova, de Caldiero e de Essling.
Era necessário ser-se prudente, ponderado.
A derrota do Buçaco cortou as asas a Massena e impediu que voasse até aos cerros de Alhandra, do Sobral de Monte Agraço, de Torres.
Se não fora a derrota do Buçaco, Massena teria sido mais ousado em frente das Linhas de Torres, e quem sabe, se não teria saído vitorioso.
A vitória do Buçaco teve, portanto, consequências imediatas e materiais, e mais ainda, consequências morais e futuras.
Apreciando agora a batalha em si, vamos fazer algumas considerações relativamente aos dois partidos.
Os reconhecimentos mandados executar por Massena foram muito incompletos. Os oficiais que os realizaram não souberam desempenhar-se da sua missão.
Daí resultou o erro de Massena. Julgando o flanco esquerdo do exército anglo-luso em Sula, e ignorando que se prolongava até ao ninho de Águia, adoptara os dispositivos para envolver a posição de Sula, o que não sucedeu.
Cena alegórica alusiva às invasões francesas
O ponto escolhido para o ataque, do 2.º Corpo - a portela de Santo António do Cântaro - era judicioso e de uma grande importância, pois a posse daquela parte da serra separaria as forças anglo-lusas. Uma parte do exército seria lançado sobre o Mondego e retiraria nas mais precárias circunstâncias, a outra parte seria cortada da estrada do Botão a Coimbra, sendo obrigada a efectuar uma retirada excêntrica, e permitindo aos franceses chegarem primeiro àquela cidade que o exército anglo-luso.
Destas considerações resulta que o ataque a Santo António do Cântaro deveria ter sido o principal, porque era o decisivo, e para isso Massena deveria ter empregado o 6." corpo e não o 2.°, visto que aquele tinha três divisões e este duas.
O ataque a Sula seria secundário. Mas estes dois ataques deveriam ter sido simultâneos para deixar o inimigo na indecisão. Não sucedeu, porém, assim.
Ney atacou 1h 30 m depois de Reynier, e quando este já tinha sido derrotado.
Esta falta de coordenação de esforços resultou da falta de ligação entre os dois corpos de exército.
É certo que Massena ordenara que esses ataques fossem simultâneos; mas não bastava ordenar, seria necessário tomar as disposições necessárias para garantir a execução dessa ordem.
Reynier cometeu também a falta de só empregar uma divisão na 1.ª linha, deixando uma outra como reserva; e quando esta foi chamada a intervir, apenas uma brigada avançou.
No 6.° corpo a divisão, que servia de reserva geral não chegou a enviar força alguma a apoiar as outras duas. As reservas parciais das duas divisões avançadas também. não foram judiciosamente empregadas.
Houve, pois, da parte dos franceses: má preparação, boa concepção e má execução.
General britânico
Examinando agora o que se passou do lado do exército anglo-luso, vemos que Wellington, ainda que vencedor, não pôde efectuar a perseguição, última, mas imprescindível fase de uma batalha, para se tirar todo o proveito da vitória. Isto era consequência da posição ocupada; pois a posição do Buçaco não permitia tomar a ofensiva.
Por isso na própria Inglaterra se disse «que a batalha do Buçaco fora uma batalha política e não uma batalha militar».
Mas se Wellington não pôde efectuar a perseguição, ainda pior foi o deixar-se surpreender tacticamente, visto que foi forçado a abandonar a posição duma maneira precipitada, tendo de efectuar a retirada sem ordem, e vendo-se obrigado a abandonar grande parte das suas munições, fardamentos, víveres e feridos.
E incompreensível que um exército vitorioso não tivesse a energia suficiente para se ir opor nos desfiladeiros do Boialvo a um inimigo derrotado!
Enquanto que o exército de Massena retirava para Mortágua pelo mau caminho de Boialvo, o exército anglo-luso podia, por um caminho mais curto, ir ocupar o Boialvo e deter, se não aniquilar, o exército francês que ousava fazer uma marcha de flanco em presença dum inimigo vitorioso.
Wellington não julgava que Massena efectuasse a retirada pelo Boialvo e confiava que Trant com os seus milicianos tivesse ocupado aqueles desfiladeiros, como ele determinara. Trant, porém, só pôde chegar ao Sardão no dia 28 à tarde e apenas com 1.600 a 1.700 homens.
Wellington, porém, devia com a sua cavalaria, que estava sobre a estrada da Mealhada, procurar informar-se do que se passava para aqueles lados.
Na guerra devem ser previstas e prevenidas todas as hipóteses.
A retirada do exército anglo-luso fez-se sem consequências graves, porque o exército francês perdeu por várias vezes o contacto, em virtude da lentidão da marcha. As tropas francesas careciam de calçado, de fardamento, de víveres e tinham poucas munições.
Quando teve lugar a batalha do Buçaco, havia três ou quatro dias que o exército francês não comia pão. «N'avons pas de pain depuis quatre jours» dizia Junot em uma carta enviada no dia 28 de Setembro a sua mulher.
Há quem tenha também atribuído o triunfo do exército anglo-luso no Buçaco à superioridade da táctica inglesa sobre a táctica francesa, o que já se tinha evidenciado na batalha do Vimeiro.
De facto, o exército inglês tinha passado por uma grande transformação, desde que o duque de York fora nomeado comandante em chefe. O regulamento táctico mandado publicar em 1798, e que era o resultado dum profundo estudo do regulamento francês de 1791 e dos regulamentos alemães, era muito superior àquele.
Além disso tinham sido criados campos de instrução para se ministrar o ensino prático, tendo já muitos regimentos recebido essa instrução.
Enquanto a infantaria francesa formava ainda em três fileiras, a infantaria inglesa adoptou a formação em duas fileiras, o que permitia maior rapidez nos movimentos e aumento da reserva, quando se não queria aumentar as frentes de combate, ou cobrir a frente principal com fortes postos avançados.
Foi até este último dispositivo o adoptado por Wellington, que mandara ocupar os grupos de árvores e casas ou depressões de terrenos, ao alcance da artilharia, com postos avançados que sustentaram um fogo enérgico contra as colunas francesas, obrigando-as prematuramente a desenvolver-se e tornando mais difícil e perigoso o avanço pelas ásperas encostas da serra.
A artilharia, ocupando os salientes, cooperou de uma maneira activa e judiciosa com .a infantaria, o que não sucedeu aos franceses, cuja artilharia não pôde sustentar as colunas de ataque.
A artilharia anglo-lusa representou um papel importante na batalha do Buçaco.
A infantaria, coberta como dissemos, por postos avançados, formava à retaguarda da crista do terreno, sustentada nalguns pontos por artilharia, que ocupava os intervalos, ou os flancos.
Em geral, os postos. avançados eram constituídos pelas 2 companhias extremas dos batalhões (1.ª e 10.ª) que eram formadas de atiradores de elite - granadeiros e caçadores. Como cada batalhão tinha 10 companhias, segue-se que 1/5 do seu efectivo era empregado nos postos avançados da posição.
Foi com este dispositivo táctico que o exército anglo-luso teve uma manifesta superioridade sobre o exército francês. As colunas francesas, precedidas por atiradores, chegavam exaustas à crista, tendo consumido os atiradores as suas munições no combate contra os postos avançados, e, quando se julgavam senhores do terreno, eis que surgia a linha principal dos defensores, executando uma descarga a 20 ou 35 metros e carregando imediatamente à baioneta. As colunas francesas não podiam resistir a esse choque, desapoiadas como estavam da sua artilharia, que não podia tomar posição na zona de terreno batida pelos fogos dos postos avançados e da artilharia avançada que ocupava os salientes.
Enquanto as forças atacantes chegavam cansadas e desunidas, as tropas anglo-lusas que ocupavam a linha principal, estavam frescas, sob a completa acção . dos chefes, e não desmoralizadas pelo fogo, nem pela vista do campo de batalha, pois se conservavam até ao último momento a coberto das vistas e do fogo inimigo.
As cargas à baioneta eram violentas, especialmente as realizadas pelas tropas portuguesas, tornando-se surpreendentes as que foram executadas pelos nossos regimentos de infantaria n.°5 8 e 19, que ali se cobriram de glória.
Têm, pois, razão os que atribuem à táctica de combate do exército anglo-luso uma parte considerável para o seu triunfo.
Todas as tropas portuguesas que tomaram parte activa na batalha se comportaram com grande valentia. Wellington e Beresford assim o reconheceram e manifestaram nas suas ordens do dia. Foram especialmente elogiados os regimentos de infantaria n.º 9 e 21, que formavam a brigada do coronel Champalimaud, infantaria n.º 8, comandada pelo tenente-coronel Douglas; os regimentos de infantaria n.os 7 e 19 e o batalhão de caçadores n.º 2, formando a brigada do brigadeiro Colleman, os regimentos de infantaria n.os 1 e 16 e o batalhão de caçadores n.º 4, formando a brigada Pack, os batalhões de caçadores n.os 1 e 3, que faziam parte da divisão Craufurd, o batalhão de caçadores n.º 6, que entrara na composição da brigada Campbell, as brigadas de artilharia, sob o comando do major Arentichild, a brigada de artilharia, anexa à divisão Spencer e a brigada de artilharia de montanha.
Mereceram ser citados em especial os nomes dos coronéis Champalimaud, Xavier Palmeirim e Souto Maior, dos tenentes-coronéis Sulton, José Maria Bacelar, Douglas, Jorge de Avilez, Nixan, Luís do Rêgo Barreto, Sebastião Pinto de Araújo, Elder, etc.
Beresford, na sua ordem do dia 28 de Setembro, e Wellington na ordem do dia 30, elogiam e mostram-se reconhecidos para com as tropas portuguesas que tomaram parte na batalha do Buçaco.
A sua manifestação era um justo preito à bravura dos nossos soldados.
A Sopa de Arroios em 1810
Fonte:
Vitoriano José César,Batalha do Buçaco, 3.ª Ed., Lisboa, Imprensa da Armada, 1930, págs. 28 a 35 (1.ª Ed., Ferin, 1910)