Mala-Posta de Lisboa a Coimbra, 1798.
(Reconstituição a óleo por J. Pedro Roque, 1968)
A inexistência de estradas capazes de garantir a regular comunicação entre as principais localidades do país constituiu um problema que só a partir de meados do século XIX começou a ser solucionado. A ligação por estrada entre as duas principais cidades, por exemplo, era ainda no final do primeiro quartel de Oitocentos um objectivo a alcançar. No século XVIII tinha-se iniciado a construção, a partir de Lisboa, da ligação entre estes dois centros urbanos, a qual, contudo, acabou por se quedar por Coimbra. Não obstante várias tentativas para alcançar o Porto, esse objectivo acabou por não ser concretizado, continuando-se a utilizar a antiga via - alvo de reparações constantes -, o que tornava a viagem longa, incómoda e onerosa.
Em 1835, após a vitória definitiva do liberalismo, foi projectada uma nova estrada que estabelecesse a ligação entre a capital e a Cidade Invicta e, finalmente, dois anos mais tarde, é celebrado o contrato para a construção da ambicionada via, assim como das correspondentes obras de arte, adoptando, sempre que conveniente, o então revolucionário método do engenheiro escocês John MacAdam para a construção de estradas, divulgado em 1820. Entre as obras de arte incluídas no contrato constava uma ponte sobre o Douro - a construir segundo o sistema de suspensão - a ponte pênsil.
Apesar das obras de construção da principal estrada do Reino avançarem com alguma regularidade, e da ponte pênsil ter sido aberta ao trânsito em 7 de Janeiro de 1843, foi necessário aguardar pela segunda metade do século XIX para que a nova estrada Lisboa-Porto fosse, definitivamente, uma realidade.
Para além de se procurar resolver o problema da ligação por estrada entre as duas principais cidades do país, um dos objectivos igualmente subjacentes à sua construção dizia respeito à possibilidade de se estabelecer o sistema de comunicações postais, tanto mais que Portugal vinha tomando importantes decisões nesta matéria: em 1844, celebrara uma Convenção Postal com a França; em 1852, tinha introduzido uma reforma postal que alterou profundamente a organização dos Serviços de Correios; e, em 1853, adoptara o selo postal adesivo. Impunha-se, portanto, garantir o funcionamento de um serviço de transporte regular de correio e, obviamente, de passageiros, então vulgarmente conhecido por Mala-Posta.
Importa sublinhar que, naquela época, a Mala-Posta portuguesa não constituía propriamente uma novidade. Embora com algum atraso relativamente a outros países europeus, tinha sido introduzida em Portugal nos finais do século XVIII, mais propriamente em 1798. Contudo, em especial nos seus primeiros anos de funcionamento, registou uma existência muito atribulada, com inúmeras interrupções, as quais também se deveram à instabilidade política por que o país passou ao longo da primeira metade do século XIX. Se exceptuarmos o curto período de 1798 a 1804, que correspondeu à primeira experiência da Mala-Posta entre Lisboa e Coimbra, praticamente só entre 1852 e 1871 - quando desapareceu o serviço da Mala-Posta, definitivamente substituído pelo caminho-de-ferro -, é que se pode afirmar, com propriedade, a existência entre nós daquele serviço de transporte regular de correio e de passageiros.
Em 1852, com a estrada Lisboa-Porto finalmente passível de ser utilizada sem grandes problemas - ainda em 1842, já com a nova estrada em construção, existiam troços "aonde a água chegava à barriga das cavalgaduras, por espaço de muitas braças" (uma braça correspondia a 2,2 metros) -, foi possível iniciar o serviço de Mala-Posta entre as duas principais cidades do Reino. Inicia-se assim, em 1855, a carreira da Mala-Posta entre Lisboa e o Porto, a única cuja exploração proporcionou, de facto, resultados proveitosos do ponto de vista económico.
No entanto, perante a incerteza do investimento, o concurso para a exploração de carreiras diárias em diligência, aberto em 1855, ficou deserto - na realidade, chegaram a apresentar-se dois concorrentes, mas, por motivos que não foi possível apurar, não lhes foi concedido o alvará - , tendo sido o Estado a encarregar-se do reatamento da exploração da carreira, inaugurando-se, em 21 de Maio daquele ano, o novo serviço de Mala-Posta, entre o Carregado e Coimbra. O correio e os passageiros saíam de barco de Lisboa, subindo o Tejo até ao Carregado, onde tomavam a diligência com destino à cidade do Mondego. Porém, no ano seguinte, este troço inicial até ao Carregado passou a ser efectuado de comboio, em virtude da inauguração do caminho-de-ferro ocorrida nesse ano de 1856. O trajecto entre Lisboa e Coimbra, de cerca de 180 quilómetros, efectuado em imponentes veículos de quatro cavalos, era então percorrido em aproximadamente 23 horas, ou seja, com a estonteante velocidade média de 7,8 quilómetros por hora.
No entanto, a ligação ao Porto continuava a constituir um problema, e a data inicialmente prevista (1856) era sucessivamente adiada. Refira-se, a propósito, que as diligências da Mala-Posta eram construídas em Inglaterra e dispunham de sete lugares, quatro no interior, correspondentes à 1ª classe, e três no exterior, consagrados à 2ª classe. Ao longo do percurso até Coimbra, paravam em 14 estações de muda - onde procediam a uma rápida troca de cavalos durante cerca de, mais ou menos, dez minutos, embora nas Caldas da Rainha e Leiria as paragens fossem mais demoradas, a fim de os viajantes poderem tomar breves refeições.
Durante a viagem, os cocheiros e os sotas - a parelha da frente - eram também substituídos em determinadas partes do percurso. O postilhão - o empregado dos Correios que acompanhava os cavalos da Mala-Posta - era o único que efectuava toda a viagem, cabendo-lhe a responsabilidade de zelar pela segurança do correio. Com a crescente procura do serviço da Mala-Posta e, consequentemente, com o aumento do número dos passageiros, foi necessário adquirir novas carruagens, de 12 lugares, mais o condutor, construídas na Carrosserie du Chemin Vert, em Paris.
A partir de 1857, ultimam-se as obras do troço da estrada entre Coimbra e Porto e, em 1859, a Mala-Posta passa a servir também a Cidade Invicta, mais propriamente o Alto da Bandeira, em Vila Nova de Gaia, onde se estabeleceu a estação "terminus" da carreira. A viagem era efectuada de uma forma ininterrupta, descontando as já referidas paragens nas estações de muda - agora em número de 23 - para troca de cavalos, descanso do pessoal e tomada de refeições, num total de 34 horas para vencer os cerca de 300 quilómetros que então separavam Lisboa da capital do Norte, aumentando a velocidade média para uns fulgurantes 8,8 quilómetros por hora.
O acontecimento foi efusivamente saudado pela população nortenha, embora também se ouvissem algumas vozes mais comedidas, como se constata na leitura de "O Comércio do Porto" de 17 de Maio de 1859, quando refere: "Chegou ontem finalmente a Mala-Posta ao Alto da Bandeira e partiu de tarde levando quatro passageiros. Consta-nos que percorrera toda a estrada desde o Pinheiro da Bemposta até àquele sítio sem o menor inconveniente. Gozamos pois de mais este melhoramento. Agora poder-se-á fazer a viagem entre Lisboa e o Porto sem interrupção e com a maior comodidade. É preciso, porém, que a estação seja no Porto e não no Alto da Bandeira e para isso não se deve deixar de empregar toda a actividade, para que no menor espaço de tempo possível se consiga a conclusão da estrada até à ponte pênsil", desiderato que só foi alcançado em 16 de Outubro de 1861.
Entre 1859 e 1864 - quando o caminho-de-ferro chegou às Devesas - a Mala-Posta serviu o Correio e os passageiros sem grandes problemas, embora os viajantes mais endinheirados preferissem efectuar a viagem servindo-se de um outro meio de transporte, o barco a vapor. Apesar destas "conquistas da civilização" nos parecerem hoje irrisórias, para a época constituíram um significativo melhoramento, que só o caminho-de-ferro, um pouco mais tarde, veio ultrapassar. Como sublinhou Fontes Pereira de Melo, num discurso em 18 de Janeiro de 1875, "acima do cavalo da diligência está o trâmuei, acima deste a locomotiva e acima de tudo o progresso".